PROJETO EM ANDAMENTO 2016

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quinta-feira, 28 de junho de 2012

POR DENTRO DA MENTE/CÉREBRO AUTISTA


Matéria publicada na revista "Time Magazine" edição de junho de 2006.

Tradução de Claudia Marcelino.

O caminho para a mente de Hannah foi aberto há poucos dias antes do seu 13º aniversário.
Seus pais, terapeutas, nutricionistas e professores, passaram anos preparando esse caminho. Eles moveram montanhas para desenvolver o seu equilíbrio, a sua percepção sensorial e a sua saúde como um todo. Gastaram fortunas em terapia ocupacional, fisioterapia e suporte emocional e psicológico. Antes da chegada de 2005, finalmente a vida de Hannah começou a tomar outra direção. Hannah que tinha a fala limitada a frases de músicas, diálogos ecolálicos e sons ininteligíveis, que é acometida de autismo severo e que os médicos pensavam também ser acometida de sério retardo mental, num certo dia de outubro, depois de ser apresentada a um certo computador específico, Hannah provou que todos estavam errados.

"Tem alguma coisa que você gostaria de dizer Hannah"? perguntou Marilyn Chadwick, diretora de treinamento do Instituto de Comunicação Facilitada da Universidade de Syracusa.
Com Chadwick ajudando a estabilizar o seu punho direito e sua mãe olhando, a garota q pensaram ser incapacitada de aprender a ler e escrever, digitou lentamente "Eu amo a mamãe".

Um ano e meio depois, Hannah senta com o seu tutor à uma pequena mesa de computador em sua casa, num subúrbio fora da cidade de Nova York. A comunicação facilitada é controversa. Há críticas dizendo que na verdade, frequentemente é o facilitador que está digitando. Mas o fato é que este acontecimento, mudou completamente a vida de Hannah. A garota sem diálogo tinha um vocabulário extenso, senso de humor e algumas habilidades impensadas.
Um dia quando Jacob deu uma página com 30 problemas matemáticos à ela, Hannah deu uma olhada e depois digitou todas as 30 respostas. Espantado Jacob perguntou, "Você tem memória fotográfica"? Hannah digitou: "Sim!"

Assim como muitas outras pessoas com autismo, Hannah é tão sensível ao som que é capaz de distinguir qualquer palavra de conversas que aconteçam em qualquer lugar da casa, o que pode contribuir em muito para o seu aprendizado. Ela também é hiper sensível a estímulos visuais, fixar os objetos diretamente é muito difícil, então ela frequentemente recorre a sua visão periférica.
A habilidade recém descoberta de Hannah para se comunicar, possibilitou que a sua inteligência desabrochasse, mas também mostrou um lado obscuro: ela demonstrou ser dolorosamente consciente sobre seu autismo. Sobre isso ela fala: "A realidade machuca".

Mais de 60 anos depois do autismo ser descrito pela primeira vez pelo psiquiatra americano, Leo Kanner, ainda há mais perguntas do que respostas para essa desordem tão complexa. As suas causas ainda são incertas, assim como as razões para o rápido crescimento na incidência de autismo em países como os EUA, Japão, Inglaterra, Dinamarca e França. Mas, devagar e sempre, muitos mitos sobre o autismo estão sendo derrubados, enquanto os cientistas descobrem outras formas de desvendar o que se passa nos corpos e mentes das pessoas com autismo e mais ainda, naqueles que são profundamente afetados, assim como Hannah e que estão sendo capazes de dar voz as suas experiências.

Em meio as surpresas estão:

- Autismo é muito parecido com câncer, muitos sintomas com muitas causas distintas. Já é bastante sabido que há uma enorme variedade dos sintomas severos de uma profunda deficiência à formas mais brandas como a Síndrome de Asperger, onde a habilidade intelectual geralmente é alta, mas a consciência social é baixa. Os médicos agora preferem se referir ao termo de "Desordem do Espectro Autista" e os cientistas acreditam também haver subtipos distintos, incluindo um tipo com início muito cedo e um tipo regressivo que pode ter início após os 2 anos.
- Antes, acreditava-se principalmente numa desordem do cerebello, a região na parte traseira do cérebro que integra as atividades sensoriais e motoras. Autismo agora, é visto como um problema pervasivo na forma como o cérebro é ligado. A distribuição das fibras nervosas que ligam diversas partes do cérebro é anormal, mas não está claro até onde isso é a causa ou a consequência do autismo.
- O sistema imunológico pode desempenhar uma grande contribuição em ao menos alguns casos de autismo. O que sugere novos caminhos de prevenção e tratamento.
- Muitos sintomas clássicos de autismo como rodopiar, balançar a cabeça, e repetir frases sem parar, pareçem mais ser mecanismos de tentativa de comunicação do que comportamentos de desligamento.
Outros sintomas clássicos como falta de emoção e ou falta de habilidade para amar, agora podem ser amplamente rejeitados, devido a comunicação enfraquecida. O mesmo pode-se dizer sobre a suposta alta incidência de retardo mental.

O mundo de terapias para o autismo continua a ser bombardeado por curas milagrosas. Mas os terapeutas estão começando a encontrar as melhores formas de interver. E enquanto se fala que autismo é uma desordem para a vida inteira, existem alguns casos relatados em que crianças que foram identificadas e tratadas muito precocemente, não mais exibem os seus sintomas.

A CURIOSA INCIDÊNCIA

Dr. Thomas Insel, Diretor do National Institute of Mental Health - NIMH - Instituto Nacional da Saúde Mental, de onde provém a maioria das pesquisas nacionais de autismo, relembra um tempo onde a desordem era raramente diagnosticada. " Quando o meu irmão era residente do Hospital da Criança de Harvard nos anos 70, eles internaram uma criança com autismo e o diretor do hospital chamou todos os residentes do hospital para ver, disse Insel. "Ele disse - " Vocês tem que ver esse caso; vocês nunca verão isso novamente".

Ele estava errado. De acordo com o Centro de Controle e Prevenção de Doenças, cerca de 1 em cada 166 crianças americanas nascidas hoje, irão algum dia cair dentro do espectro autista. Dobrou a incidência de casos nos últimos 10 anos e aumentou em 10 vezes mais a incidência estimada na geração passada. Enquanto alguns duvidam das novas incidências, dois levantamentos publicados na semana passada por este centro, estavam de acordo com essa incidência chocante.

Ninguém pode dizer porque os números cresceram tanto. Maior conscientização e campanhas de saúde pública para encorajar diagnósticos precoces certamente fizeram a sua parte, desde que no passado, muitas dessas crianças eram rotuladas como retardadas ou loucas e escondidas em instituições. Mas fatores ambientais podem também estar contribuindo para o crescimento. Para se tentar chegar a raiz do mistério, os fundos federais para as pesquisas no autismo triplicou na última década, para 100 milhões de dólares, embora isso ainda seja pouco em comparação com o valor estimado em 500 milhões destinados para o câncer infantil, que acomete muitas crianças a menos.

No Centro de Saúde e Prevenção de Doenças Ambientais da Criança da Universidade Davis da Califórnia, o toxicologista Isaac Pessah está estudando o cabelo, o sangue, a urina e amostras de tecidos de 700 famílias com casos de autismo. Ele está testando 17 metais, traços de pesticidas, opióides e outros intoxicantes. Em março, Pessah causou um rebuliço ao publicar um estudo que mostrava que mesmo um nível muito baixo de mercúrio usado nas vacinas preservadas com thimerosal, há muito suspeito de provocar o autismo, pode dar início a irregularidades em células do sistema imune, pelo menos no tubo de ensaio. Mas ele não atribui o thimerosal (o qual já foi removido das vacinas rotineiras da infância) como o vilão da história.  " Provavelmente não há só um disparador que esteja causando o autismo no lado ambiental", diz Pessah, "e também não há só um gene envolvido".

Realmente muitos pesquisadores acreditam que o autismo resulte de uma combinação entre fatores ambientais e vulnerabilidade genética. Um gêmeo idêntico de uma criança com autismo, tem chances de 60 a 90% de também ser atingido. E existe pouca dúvida sobre a vulnerabilidade de algumas famílias em ocorrer síndromes do espectro autista: o sibling (?) de uma criança autista tem cerca de 10% de chance de também desenvolver a síndrome.
Cientistas genéticos que trabalham com autismo encontraram pontos suspeitos nos cromossomos 2, 5, 7, 11 e 17, mas provavelmente existem dúzias de genes envolvidos. "Nós achamos que existem casos diferentes de autismos, cada um deles pode haver uma causa diferente e genes diferentes envolvidos", diz David Amaral, pesquisador chefe da MIND Institute, também na Universidade de Davis na Califórnia.

Amaral está liderando as pesquisas do MIND no esforço de juntar dados clínicos, comportamentais e genéticos em 1.800 crianças autistas. Um dos objetivos é definir claramente os subtipos do autismo. "É difícil estabelecer a genética se você estiver tratando sobre 4 ou 5 síndromes diferentes", diz o chefe do NIMH, Insel. "Será que a presença de eplepisia define casos separados da doença? O que dizer das crianças que pareçem ter um desenvolvimento normal durante o 1º ano e meio de vida e depois regridem? Será um caso separado? E o que falar sobre o grande nº de crianças com graves problemas intestinais? E outros tantos com disfunções imunológicas, será que é um subtipo também?

Amaral e sua colaboradora, Judy Van de Water, acreditam estarem próximos de uma grande descoberta de pelo menos um tipo de autismo, uma forte tendência familiar. Eles detectaram uma grande quantidade de anticorpos no sangue de famílias com tendências ao espectro autista e mais ainda, nas mães com mais de um filho autista. "Estes anticorpos fazem um papel de combate contra as proteínas no cérebro do feto', diz Amaral. A principal hipótese é que estes anticorpos podem alterar o desenvolvimento do cérebro de tal forma que leve ao autismo. Se estivermos certos, essa descoberta pode levar a um tipo de teste sanguíneo materno e ao uso de uma terapia específica, chamada plasmapheresis, visando retirar estes anticorpos do sangue materno.
"Você gera uma expectativa muito grande ", diz Amaral, "se você puder prevenir cerca de 20% de crianças não desenvolver o autismo. Mas nós não queremos levantar falsas esperanças".

Se a causa é os anticorpos maternos, os metais pesados ou qualquer outra coisa, não há nenhuma dúvida que o cérebro de crianças autistas tem diferenças. Para começar, eles são muito grandes. Em estudos baseados em imagens de ressonância magnética e leituras básicas de medidas-padrão, o neurocientista Eric Courchesne do Hospital da Criança de San Diego mostrou que enquanto as crianças com autismo nascem com dimensões de cérebros normais, elas apresentam uma rápida expansão até os 2 anos, particularmente nos lóbulos frontais. Com 4 anos diz Courchesne, crianças autistas tendem a ter um cérebro do tamanho dos de crianças de 13 anos. Esse crescimento enorme é ainda mais evidente nas meninas, ele diz, embora por razões ainda misteriosas, somente 1 em cada 5 crianças com autismo seja do sexo feminino. Estudos mais recentes de Amaral e outros descobriram que a amídala, uma área associada ao comportamento social, é também fora do padrão, uma descoberta que Amaral acredita estar ligada aos altos níveis de ansiedade visto em cerca de 80% das pessoas com autismo.

Dra. Martha Herbert uma neuropediatra de Harvard relatou no ano passado que o excesso de massa branca em cérebros autistas tem uma distribuição específica: áreas locais tendem a ser sobrecarregadas, enquanto as ligações entre regiões distantes são fracas. É como se tivesse muita competição entre companhias telefônicas de curta distância e pouquíssima na área de longa distância. Essa observação vai de encontro com as imagens de ressonância magnética que registraram a atividade cerebral em pessoas com autismo. Estudos usando as imagens dessa função cerebral mostram uma falha de coordenação entre as regiões cerebrais, fala Marcel Just, diretor do Centro de Imagens Cognitivas do Cérebro Carnegie Mellon em Pittsburgh. Just escaneou dúzias de cérebros de pessoas autistas entre 15 e 35 anos com QIs na faixa normal, dando a eles testes de memória simples enquanto monitorava suas atividades cerebrias. "Uma coisa pode-se ver", fala Just, "é que a atividade entre diferentes áreas não vão para cima e para baixo ao mesmo tempo. Existe uma falha no sincronismo destas atividades, tal como uma diferença entre uma sessão muito congestionada e outra sem nenhuma atividade. No autismo, cada área faz a sua parte sem se relacionar".

O que ainda não está claro é se esse problema de interação é o resultado do autismo ou a causa. Talvez todo esse excesso de ligações fosse igual ao excesso de vasos em volta do coração de uma pessoa que tenha sofrido um ataque cardíaco, o corpo tende a fazer outra rota contornando o problema.

Ou talvez a crescimento anormal do cérebro tenha haver com o sistema imune; pesquisas no Johns Hopkins encontraram sinais de que os cérebros dos autistas sofrem de inflamação crônica. "É impossível neste momento, dizer o que nasceu primeiro se o ovo ou a galinha". diz Just.
Já foi mostrado que pessoas autistas costumam usar o cérebro de formas não usuais: eles memorizam as letras do alfabeto numa parte do cérebro que normalmente processa as formas. Eles tendem a usar os centros visuais nas partes de trás do cérebro, onde usualmente são processadas no córtex pré-frontal. Eles usualmente olham para a boca ao invés de olhar para os olhos de quem está falando.
Será que estas diferenças refletem a patologia fundamental, ou são apenas efeitos de algum problema mais básico? Ninguém sabe. Mas o fato de que intervenção precoce traz melhores resultados para crianças dentro do espectro autístico, pode dar uma pista que algo da anatomia e atividade estranha do cérebro é secundário - e talvez possa até ser prevenido. Estudos que mostram o quanto uma intervenção precoce pode ajudar a normalizar o cérebro, estão começando na Universidade de York em Toronto, mas os resultados ainda estão muito longe.

AUTISMO VISTO DE DENTRO
ENQUANTO ISSO, 300.000 crianças americanas em idade escolar e muitos adultos, estão tendo que viver suas vidas diárias com o autismo. O mundo tendenciou a escutar aqueles que são altamente funcionais, como Temple Grandin, escritora e professora da Universidade do Colorado conhecida por desenhar máquinas humanizadas para manuseio do gado. Mas as vozes daqueles mais severamente afetados também estão começando a ser ouvidas. Como é o caso de Sue Rubin, 27, uma estudante universitária de Whitier, na Califórnia, que não apresenta nenhuma fala funcional e tem a maioria da imagem estereotipada de uma pessoa com retardamento mental, e mesmo assim, ela foi capaz de escrever a narração para o documentário indicado ao Oscar sobre a sua vida, "Autism is a World".
O que esses indivíduos tem a dizer sobre as suas próprias experiências, está oferecendo novos indícios para a condição que os afetam. E também se encaixam perfeitamente com o que os cientistas vêem dentro de seus cérebros. O que se vê é que pessoas com Espectro Autista tem dificuldades em juntar as informações cognitivas de forma integrada. Existe a tendência em prestar muita atenção no detalhe e perder o conteúdo completo. Coordenar o comando, com o movimento e a sensação, pode ser muito difícil para alguns. Chandima Rajapatirana, um escritor autista de Potomac, escreve assim: "Sem nenhuma iniciativa, eu permaneço sentado enquanto minha mãe me chama. Eu sei o que devo fazer, mas frequentemente eu não posso levantar enquanto ela não diz, "Levante-se", ele escreve. O fato de saber onde meu corpo está não é fácil para mim. Interessantemente, eu não consigo perceber se estou sentado ou de pé. Eu não tenho consciência do meu corpo ao menos que ele esteja tocando alguma coisa... A sua mão junto à minha, me deixa saber onde a minha mão está. Arrastar as minhas pernas enquanto eu ando, me mostram que eu estou vivo".
Descrições como estas lançam uma luz sobre os comportamentos auto-destrutivos como morder-se, arranhar-se, beliscar-se e bater a cabeça. Para pessoas como Rajapatirana, bater a cabeça contra a parede pode ser útil para mostrá-la, literalmente, aonde as suas cabeças estão. "Antes de tentar extinguir tais comportamentos, nós temos que tentar entender o que eles querem nos dizer”, escreve Judith Bluestone, uma terapeuta de Satle que também é autista.
Em seu novo livro "Send in the Idiots", o jornalista britânico Kamran Nazeer, que também é autista, descreve a necessidade de comportamentos e palavras repetitivas como "uma pesquisa de coerência local" em um mundo cheio de sons aleatórios. Ele também descreve as dificuldades sociais: "Manter um diálogo com estranhos", ele escreve, " é a versão do autista para esportes radicais". Por isso, em um encontro recente para pessoas do Espectro Autista, os participantes usavam adesivos coloridos que indicavam o seu nível de conforto com as conversas espontâneas: Vermelho significava "não aproxime-se", amarelo significava "fale se nós já nos conhecemos", verde significava "eu adoraria conversar, mas não sou bom em iniciar o papo".
Talvez o pior fato para uma pessoa do Espectro Autista seja ter que conviver com uma inteligência brilhante dentro de um corpo que torna difícil das pessoas verem o que há lá dentro. O neurocientista Michael Merzenich da Universidade da Califórnia, em São Francisco, estudou um garoto autista que era incapaz de falar ou até mesmo de sustentar a sua atenção por mais de poucos minutos, tinha perfeita consciência de sua condição e escrevia poesias maravilhosas. Quantas outras crianças autistas, Merzenich se questiona, "estão vivendo em um poço onde ninguém pode escutá-las"?
Pelo menos para Hannah, sua voz e seus pensamentos já estão sendo ouvidos. Desde que aprendeu a digitar, ela começou a falar poucas palavras sucintas "sim", "não" e a palavra-chave "eu" para expressar os seus desejos. Tudo isso parece milagre para seus pais. "Eu fui aconselhada a desistir e seguir com minha vida", diz sua mãe. Agora ela e seu marido estão pensando em economizar para a faculdade.